sábado, 16 de junho de 2012

Um crime por partes

Ela passou pela guarita do prédio, de óculos escuros e sobretudo marrom. Não chovia naquele dia, mas também não fazia sol. Acenou com a cabeça ao porteiro e o funcionário liberou a passagem. Primeiro a vermelha, depois a verde, e as duas grandes malas de rodinhas voltaram a segui-la pela rua. Olhos curiosos poderiam perguntar: para onde vão? O que estão levando? Mas nenhum poderia supor: Quem estão escondendo?

A vermelha estava mais pesada. Ele era mesmo um sujeito cabeça-dura, pensava ela enquanto se aproximava do estacionamento perto da esquina. Entrou e pediu o automóvel sedã branco importado, bancos de couro, câmbio automático. Não era daquele ano, mas fora presente de aniversário de casamento. O manobrista perguntou: A senhora quer ajuda pra por elas no carro?

Não! Não quero nada não! Ela se assustou e, por um momento, se descontrolou. Logo em seguida pediu desculpas, alegou dor de cabeça e aceitou o auxílio do rapaz para colocá-las no porta-malas. Nem passou pela cabeça dele que um dia poderia ser chamado na delegacia, suspeito de auxílio a um crime cabeça, por causa de uma digital.

Ao sentar-se e segurar o volante ela ainda pensou: o que estou fazendo? Tentou se convencer: é tudo parte do plano e não posso mais desistir dele. Tenho que me livrar disso, eu preciso deixá-lo em segurança e estará tudo terminado. Pegou a estrada, pretendia cruzar o limite do município e alcançar o rio antes do anoitecer. Mas essa parte do plano não iria acontecer bem assim.

Foi na rodovia que tudo mudou. O trânsito estava lento, tinha triagem na pista, o policial fez sinal para o carro dela. Ela encostou, tentando manter a calma. O policial checava tudo, procedimento de rotina: documentos em ordem? Deixa eu conferir no sistema. Opa, temos um probleminha aqui, cidadã, parece que não foi pago o imposto deste ano! Como? Ela se assustou, isso não podia estar acontecendo!

Saiu do veículo e tentou argumentar: veja bem, meu marido, ele se foi, quer dizer, ele se vai, ele vai pescar! E eu preciso levar as malas com ele, as malas de rodinhas que estão no carro, ele está nas malas, ou melhor, ele está esperando as malas para descer o rio. Eu preciso me livrar delas, ou seja, entrega-las ainda hoje! O policial assobiou, bateu a mão no bolso e respondeu: Tem como a dona pagar o “imposto” agora?

Tinha. Mas ela ficou sem o dinheiro para pagar o pedágio. Precisou entrar na primeira cidadezinha que viu para procurar um caixa eletrônico. Só vai ter no centro, moça, mas fica pertinho, do ladinho dos Correios, explicou o frentista de macacão azul. E ela pensou: se desse para enviar as malas pelo correio seria bom! Mas quem as receberia? O próprio marido?

Conseguiu tirar o dinheiro, já era quase noite. Quando voltava para o carro, uma senhora comentou com ela: Minha filha, tem alguma coisa cheirando muito mal por aqui, cuidado viu, pode ter xixi de gambá nas rodas do seu automóvel! Ao ouvir isso ela ficou branca como o carro, seu corpo tremeu dos pés à cabeça, a vista escureceu com os óculos e tudo, e desmaiou!

“Notícia urgente! Mulher confessa ter esquartejado o marido, colocado as partes do corpo em sacolas azuis e jogado na beira da estrada!”

Ela acordou com o barulho da televisão. Estava deitada em um sofá tão mole que seu corpo parecia afundar no rio. Olhou em volta assustada e perguntou: Onde estou?

“A mulher está presa na delegacia! O corpo já foi identificado, encontraram a bala fatal na cabeça do marido, que estava na última sacola azul. Mas ainda não acharam as três malas de rodinhas”

Malas de rodinhas? Onde estão minhas malas? Ela se levantou e deu de cara com aquela senhora que havia falado sobre o cheiro ruim que fatalmente escapava do porta-malas. Fui descoberta! Pensou. Mas a senhora lhe abriu um sorriso, ofereceu uma bandeja com biscoitos, perguntou se ela já estava melhorzinha e sugeriu que descansasse ali naquela noite.

Onde está meu carro, senhora? Perguntou. Ora, lá fora querida, na frente dos Correios. Mandei meu neto lavar as rodas com a mangueira para sair o cheiro de gambá! Não se preocupe. Ela sentou-se aliviada e aceitou um biscoito. Começou a prestar atenção ao noticiário. Ainda se falava da mulher que tinha cortado o marido em muitas partes. Nossa, que crime bárbaro! Ela comentou com sua anfitriã. Quem teria coragem para isso? Se a moda pega...

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Dois ouvidos e dois celulares



A batalha das operadoras de celular invadiu o jantar lá em casa outro dia. Foi meu irmão que começou a briga. Antes a família toda era da mesma operadora, mas ele quis mudar, tinha uma com mais torpedos grátis. Minha irmã também anunciou que trocaria, mas para outra, a mesma do namorado. Já meus pais não trocariam, são conservadores até nisso.

Resumo da ópera: acabei precisando de outro celular para o novo chip. Nem da empresa do meu irmão, nem da minha irmã. Queria um da mesma empresa daquela gata do serviço.

Fui ao shopping. Comprar um chip novo foi mais fácil do que encontrar o banheiro masculino. Depois fui procurar o celular. Eu queria um daqueles para dois chips, mais prático. Mas sabe aquele oferta “compre 1 leve 2?”. Esquece! Nesse caso, comprar 2 é mais em conta.

- “Alô? Oi Marcelinha, sou eu, é que tô com número novo, anota aí...”

- “Ai que bom, é da mesma operadora que o meu, né?”

- “É... agora podemos ficar horas conversando!”

E os minutos viravam sem preocupar o meu bolso. Por um módica quantia, eu teria horas de bônus todo dia para xavecar aquela gata.

Mas de repente comecei a ouvir a musiquinha do outro celular. Fui buscar, sem parar de falar com a Marcelinha. Era a Julia, minha outra paquera. Pela força do hábito, acabei atendendo.

- “Oi gata, tudo bom...”

Julia no ouvido esquerdo - “Oi bonitão, por onde andou que não me ligou mais?”
Marcelinha no ouvido direito - “Ta doido? Você já tava falando comigo...”

- “É.. to brincando!”

Marcelinha no ouvido direito – “Ah bom, pensei que tava falando com outra pessoa”
Julia no ouvido esquerdo – “Brincando de gato e rato?”

- “Não... é minha mãe...”

Julia no ouvido esquerdo – “O que houve, ela ta bem?”
Marcelinha no ouvido direito – “Você chama sua mãe de gata?”

- “Sim... quer dizer, não!”

– “Sim ou não??”

Aquela conversa estava me deixando maluco, inventei uma desculpa e desliguei. Ufa! Preciso tomar mais cuidado da próxima vez. Ser capaz de escutar pelos dois ouvidos ao mesmo tempo ainda vá lá, mas na hora de falar a coisa complica!

Se um celular consegue acabar com uma relação, dois celulares podem acabar estragando até duas relações!